segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

O rio e a fala: um breve comentário sobre a minha comunicação




Quando eu converso, quando eu falo, eu sinto uma espécie de barreira no fluxo das palavras, isso é uma coisa que não acontece sempre, mas acontece seguidamente.

Estive durante muito tempo com uma autoimagem de gagueira devido a isso. Contudo, na verdade, não se trata de gagueira, mas de algo mais sutil, no nível dos pensamentos.

Realizei tratamento fonoaudiológico para descobrir que realmente não era uma simples gagueira.

Depois comecei a cismar com certas palavras, e realmente eu acreditava que diante de determinadas palavras inevitavelmente iria engasgar. No entanto, eu não via que também diante de outras palavras com as quais eu não cismava a trava no fluxo da comunicação também acontecia.

Por isso, a questão, ou melhor, a barreira, não estava nessa ou naquela palavra, mas em outra coisa, que eu não sabia bem o que era.

Num determinado momento da minha vida, descobri os ensinamentos budistas, comecei a ler sobre o assunto, e o que me chamou bastante atenção foi sobre a natureza vazia e luminosa da mente.

O ensinamento de que todos os aspectos do mundo são construídos, que não tem uma realidade básica nisso tudo. A nossa natureza, de acordo com essa visão, é livre, vazia, luminosa, liberta de todos os condicionamentos.

Mas nós nos aferramos ao aspecto construído, ligamo-nos a ele com tanta força e cegueira (avydia) que acreditamos que somos esse corpo e todas as limitações dele advindas.

Então, comecei a meditar contemplando essa natureza da mente. Procurei durante algum tempo não nutrir expectativas, nem fazer visualizações, tampouco focar em algum tipo de pensamento, algum tipo de energia, nada disso.

Apenas busquei sentar e repousar, relaxada e tranquilamente, tentando me escorar e me aquietar nessa natureza vazia e luminosa, que é uma presença muito marcante, quase sólida, por assim dizer, na ausência de palavras melhores para expressar isso.

Então, um dia pensei: “hoje, vou pedir para essa natureza da mente me explicar o motivo pelo qual o fluxo da minha fala fica trancado às vezes”. E decidi sentar para meditar.

Veio-me então à mente a imagem de um rio com pedras redondas, pedras grandes, como esses riachos dentro de matas, onde a correnteza da água é bem forte e tem muitas pedras de todos os tipos e tamanhos.

Nessa paisagem, vi-me dentro do rio, bem no meio do fluxo da água, e ora eu agarrava uma pedra enorme para tirá-la de dentro do rio, ora eu trazia para dentro do rio uma pedra grande e soltava ali dentro…

Demorei-me nessa imagem.

Então o silêncio como que me fez entender a metáfora: o fluxo da água estava sempre presente, independentemente de eu trazer pedra e soltar no rio, ou tentar retirar do rio alguma pedra ali existente.

Nada disso impedia o fluxo do rio. A água ultrapassava a pedra, por maior que ela fosse. A água encontrava um jeito de seguir o seu fluxo. Mas a minha atenção, ao invés de estar focada na água, estava focada ora no esforço de levantar a pedra e tirá-la do rio, ora no esforço de trazer alguma pedra para dentro da água, e ora estava focada na própria pedra. Com isso, acabava me esquecendo do principal, que era o fluxo da água, sempre constante, a despeito de toda a minha atividade com as pedras…

A água simbolizou a comunicação, a fluidez da fala, que sempre esteve constante. As pedras, simbolizaram os pensamentos, as emoções, as flutuações da mente, que, embora estivessem ali, eram sempre ultrapassadas pela condição natural da fluidez da água. A atividade de eu buscar retirar as pedras do rio, ou de eu buscar colocar alguma pedra ali dentro, simbolizou a minha tentativa vã de consertar a fluidez, que sempre esteve plena e presente, ultrapassando qualquer obstáculo.

Diante dessa imagem mental que me veio na meditação, passei a ter material mental para entender o que eu estava fazendo de errado. 

Bastava mudar o foco: da pedra para o fluxo da água.

Portanto, não importam as pedras, o tamanho delas, o peso, a água sempre vai achar algum jeito de ultrapassá-las; apesar das pedras, a água vai seguir seu fluxo, é da natureza dela ser assim.


O mesmo acontece com a fala... 

Fica o registro.

Lavras, 23-12-2019.

Rodrigo Freitas dos Santos.’.




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